16.12.17

Uma vez na Internet, para sempre na Internet (Eu, o Adulto)

Há 13 anos, tinha 19. Decidi começar um blog.

Pensava que era bom a escrever, até ao dia em que no lugar da palmadinha nas costas alguém me confrontou com a realidade.

“O teu blog também tem erros! Tu trocas bastante a ordem dos 'lhes' e às vezes usas uns termos abrasileirados.”

Foi o wake-up call. Afinal também sangro, como qualquer outro, mas custou a engolir. Principalmente porque veio na sequência de uma daquelas fofocas fáceis, em que fazemos uma curadoria de defeitos dos outros, só para nos sentirmos um bocadinho melhor com a nossa própria miséria. Falávamos de erros básicos que as pessoas dão ao escrever, com a sobranceria típica de quem se vê precocemente emancipado. Não posso dizer que tenha tido um bom poder de encaixe quando ouvi essas críticas.

Mas o universo equilibra sempre as contas. Qual castigo divino, herdei uma década de textos fraquinhos, para refletir e me relembrar de que já fui muito pequenino quando mais me achei grande. Só para começar, o primeiro texto deste blog tem um erro de ortografia logo na primeira frase. Ridículo!

Ainda assim, esta é uma oportunidade de ouro – um momento único para poder quebrar esse ciclo da pobreza de espírito. O fácil, e mais intuitivo, seria apagar uma dúzia de textos e editar outros tantos, para embelezar a história. Podia sempre recorrer ao argumento de que enquanto escritor, é meu dever difundir um português correto, exemplar.

Mas ‘tou-me um bocado a cagar, honestamente.

Ou para ser mais sincero: não pretendo agir com o meu velho-eu da mesma forma que ele agia com quem aparentava saber menos. Rejeitar, esconder, disfarçar, ou branquear o passado seria perpetuar a arrogância ou a falta de empatia para com quem está a crescer. Como eu estava, e como eu estou.

Muito mudou desde o nascimento deste blog. Para começar, a própria blogosfera, que surgiu como um nicho de entusiastas no virar do milénio, chegou ao estatuto de fenómeno trendy há meia dúzia de anos e agora voltou a estar em segundo plano – aborrecido para os mais novos, que já nascem a querer ser youtubers; igualmente aborrecido para os adultos que, no pouco tempo de lazer que dispõem, procuram distrações mais imediatas e mais integradas na narrativa contemporânea.

A escrita beira o estatuto de arte perdida, a personalidade na caligrafia foi substituída pelos emojis, pelo comprimento de um LoooooL, ou pelo tempo que demoramos a responder quando o chat denuncia que estamos a escrever…

Olhando para o arquivo, este blog representa quem eu fui durante esse tempo de efervescência de ideias e opiniões na Internet. Por um lado, queria muito partilhar o meu pensamento; por outro, havia um claro conflito de vozes – a voz autêntica, que se lê a espaços em alguns posts, e a voz formal, que parece que escrevia textos para um teleponto.

Uma das coisas que mais me tem criado inércia para escrever é o receio de não conseguir ligar esse passado com o presente. Hoje percebo que o desconforto está intimamente ligado ao meu tipo de personalidade e à forma como eu gosto de dar um equilíbrio lógico às coisas, mesmo quando quero ser mais anárquico. Para mim, é ridiculamente difícil tentar sair de casa com um conjunto de roupa que funcione à base de contrastes. Eu sou aquele gajo quadrado que veste umas calças de ganga azul-default e o resto já vai de arrasto.

Os contrastes não são fáceis de processar, para ninguém. Não nos cultivamos muito bem nesse aspeto – os rótulos dão-nos jeito para resumir a pinta que tiramos uns dos outros, e a versatilidade pode ser mal recebida e interpretada como esquizofrenia. Se estiver à conversa com alguém que partilha do meu interesse pela música, provavelmente não vou trazer à baila os meus videojogos preferidos; se estiver a trocar ideias sobre marketing e empreendedorismo, dificilmente o momento será oportuno para falar acerca de gatos. E por aí em diante...

No entanto, tudo isso mora em mim. Tentar resumir-me a uma dessas facetas é como tentar resolver um exercício de matemática aplicando somente parte da fórmula: sabemos que algo bate certo, mas que o resultado final estará fundamentalmente errado. Para que eu não seja sintetizado numa só característica, é crucial que comece em mim a aceitação da minha natureza múltipla.

Do passado ao presente, é inútil querer ligar tudo tão meticulosamente como sempre quis. Houve uma altura em que até tinha na minha cabeça os nomes dos capítulos finais do 100Medos. Ia terminar no post 100, o último medo a retratar seria o medo da morte e o amor seria o seu nemesis absoluto – um cliché, mas também uma homenagem ao Donnie Darko, um dos meus filmes preferidos por esses anos.

Creio que já não faça sentido toda essa premeditação e obsessão pelo ponto de chegada. Os 7Aparte, por exemplo, foi um dos projetos mais ambiciosos que já iniciei e uma das encruzilhadas mais complexas de onde não saí. Para mim, hoje é líquido que a escrita quer-se genuína, desgarrada, desalinhada de eixos, desenquadrada de balizas. É legítimo começar a escrever uma história que surge a partir de uma ideia para o clímax ou para a derradeira punchline, mas que isso não nos torne reféns de ideias que eventualmente possam envelhecer de forma pouco graciosa.

Nunca me deixem esquecer que isto começou por ser um acto espontâneo, mesmo quando eu não estiver a sentir borboletas. A ligação com o passado estará presente sempre que eu perca algumas horas da minha vida a escrever para todos e para ninguém. Sem medos.

Sem comentários: